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Os microplásticos também chegaram às montanhas

A quantidade dessas partículas nos Pirineus é similar à encontrada em Paris e nas cidades industriais chinesas

por última modificação: 30/04/2019 08h52


Até aqui chegam os microplásticos. Vista dos arredores da estação de Bernadouze. GAËL LE ROUX

Nem as grandes montanhas se livram do plástico. Um estudo encontrou, no ponto mais remoto dos Pirineus, uma concentração de microplásticos similar à que podemos achar numa capital como Paris ou nas cidades industriais chinesas. Levadas até lá pelo vento, essas partículas podem percorrer vários quilômetros até cair, arrastadas pela chuva ou a neve. As cordilheiras, os vales e outros ambientes naturais poderiam abrigar o plástico que falta nas estatísticas.

Das 355 milhões de toneladas de plásticos criadas em 2016, cerca de 60 milhões foram produzidas na Europa, segundo dados do setor. Naquele mesmo ano, 27,1 toneladas chegaram às usinas de reciclagem e lixões. Embora muitos materiais plásticos sejam projetados para durar anos ou décadas (como os do painel do carro e os isolantes de muitos edifícios), diversos estudos estimam que uma boa porcentagem acaba no mar – os otimistas falam em 10% da produção anual. Onde está o resto?

Na estação meteorológica de Bernadouze, na parte francesa dos Pirineus, os técnicos medem a temperatura do ar, a velocidade e a direção do vento, a chuva e a altura da neve – quando existe. Mas, durante cinco meses entre 2017 e 2018, eles também registraram a quantidade de plástico que caía no solo. Os resultados foram publicados agora na Nature Geoscience. E mostram que até mesmo a essa estação, situada a 1.425 metros de altura e a 25 quilômetros do primeiro povoado digno de tal nome, chegam todo dia em média 365 partículas por metro quadrado.

“A quantidade de partículas de microplásticos encontradas ao estudarmos os remotos Pirineus está dentro do padrão encontrado numa megacidade como Paris”, diz a pesquisadora Deonie Allen, do Laboratório de Ecologia Funcional e Meio Ambiente (EcoLab, com sede em Toulouse, França) e coautora do estudo. De fato, dois estudos recentes realizados na capital francesa obtiveram um número de fibras de plástico comparativamente similar. A cifra também supera a parte superior da margem obtida em Dongguan, uma metrópole chinesa de mais de 8 milhões de habitantes. Lá, um amplo estudo sobre a presença de microplásticos no ar estimou uma média de 175 a 313 partículas diárias por metro quadrado. Esse novo trabalho encontrou plásticos de quase todo tipo, incluindo fragmentos, fibras e o utilizado nas sacolas. Os pesquisadores também identificaram alguns tipos esféricos, mas seu desgaste os impediu de confirmar se eram microesferas, ainda usadas na indústria de cosméticos. A maioria dos fragmentos tinha um diâmetro inferior a 50 mícrons (ou 0,05 mm) e quase todas as fibras e filmes superavam 100 mícrons (0,10 mm) de comprimento. Os plásticos mais abundantes são o poliestireno e o polietileno. Usados para fazer sacolas e embalagens, eles são – em teoria – recicláveis. Outra grande categoria (18%) são as fibras de polipropileno, comuns na indústria têxtil.

Jinping Peng, professor da Universidade de Tecnologia de Guangdong, estuda há anos a poluição atmosférica causada pelos microplásticos. Embora não tenha participado do estudo dos Pirineus, ele recorda que, em seus trabalhos de monitoramento dos resíduos em Dongguan e nos distritos vizinhos, a quantidade de microplásticos estava associada à densidade populacional. “Mas pode haver outras razões afetando a abundância dos microplásticos, como a velocidade e a direção do vento, o que explicaria a concentração similar dessas partículas nos Pirineus”, afirma.


A maioria dos plásticos coletados nos Pirineus é invisível a olho nu. STEVE ALLEN

Como não há grandes centros urbanos nas redondezas para dar pistas sobre tamanha concentração, só o transporte aéreo pode explicar que tenham chegado até lá. Estudos anteriores já haviam demonstrado que as bactérias podem viajar milhares de quilômetros até chegar a montanhas como as da Serra Nevada. As incursões de pó do Saara no centro da Europa também são bem conhecidas. Os fragmentos de plástico podem ser ainda menores que um grão de areia, e as fibras e o filme têm maior capacidade para flutuar. De modo que a resposta estaria no vento.

“O que podemos demonstrar, de maneira inequívoca, é que [essas partículas] estão sendo transportadas até lá pelo vento”, diz em nota o pesquisador Steve Allen, da Universidade Strathclyde (Reino Unido) e coautor do estudo. Usando um modelo que empregou as velocidades e a trajetória dos ventos, além dos dados de deposição, os cientistas estimaram que as micropartículas chegavam até montanhas a pelo menos 95 quilômetros de distância. Mas Toulouse, Zaragoza e Barcelona estão ainda mais longe. E, no caso das duas últimas, o plástico teria que superar muito mais montanhas. Isso é o que os pesquisadores querem estudar agora: quanto o microplástico pode viajar pelo ar.

Rachid Dris, cientista da Universidade Paris-Est especializado no estudo dos microplásticos em ambientes urbanos, diz que essas partículas “podem chegar a qualquer parte, como ficou provado em todos os tipos de habitat, incluindo os mais distantes, como os lagos remotos e o Ártico. Portanto, já se considerava o ar como uma importante rota de transporte para os microplásticos”. Para Dris, que não tem relação com o estudo, a descoberta recente das partículas nos Pirineus não causa surpresa. “É evidente que as condições meteorológicas desempenham um papel: os microplásticos provavelmente são transportados nos momentos de maior vento e caem quando a corrente diminui. Além disso, a neve e a chuva podem provocar um arrasto que aumenta a deposição”, afirma.

Resta saber como essas partículas afetam a saúde das pessoas, pois já foram encontradas no intestino humano. Todos os pesquisadores mencionados neste artigo concordam que é urgente determinar o impacto causado pela inspiração de um ar repleto de plástico.

Fonte: El País Brasil