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Observatório Opará lança livro sobre os impactos do racismo institucional na aplicação da Lei de Cotas Raciais em concursos públicos

O lançamento oficial do livro ocorreu em outubro.
Mais de uma década após a promulgação da Lei nº 12.990/2014, que instituiu a reserva de vagas para pessoas negras em concursos públicos federais, os resultados de sua aplicação ainda estão aquém do esperado. A constatação é do Observatório Opará da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), que realizou uma pesquisa aprofundada sobre o tema e lançou o livro “A Mão Invisível do Racismo Institucional e a Sabotagem da Lei de Cotas Raciais (Lei nº 12.990/2014). O estudo analisa 110 instituições federais de ensino e reúne dados, documentos e relatos que mostram como a burocracia estatal tem contribuído para dificultar a efetividade da política de cotas raciais no serviço público. A obra foi lançada no dia 28 de outubro, em Petrolina (PE).
O livro, que é uma produção independente, foi organizado pelos professores Edmilson Santos dos Santos, do Colegiado de Educação Física (Cefis), e Ana Luisa Araújo de Oliveira, do Colegiado de Engenharia Agronômica (Ceagro), primeira docente negra nomeada por cotas na Univasf. O lançamento reuniu representantes da academia, de movimentos sociais e de instituições públicas, e contou com a presença do reitor da Univasf, Telio Nobre Leite.
Durante o evento, foram discutidos os desafios e as perspectivas da efetividade da Lei nº 12.990/2014 e do enfrentamento ao racismo institucional. A legislação estabelece que 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para cargos efetivos e empregos no âmbito da administração pública federal, incluindo autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União, sejam reservadas a pessoas negras.
![]() A professora Ana Luisa autografando os livros no lançamento. |
No entanto, o monitoramento realizado pelo Observatório Opará revelou que o racismo institucional ainda opera nas estruturas do Estado, comprometendo a plena efetividade dessa política pública criada para corrigir desigualdades históricas. A pesquisa utilizou metodologia qualitativa e documental, com análise de editais de concursos públicos e processos administrativos publicados ao longo de uma década. “A abordagem combinou teoria, evidências empíricas e experiências vividas, buscando compreender o racismo institucional não apenas como um conceito, mas como uma prática concreta que se manifesta nas rotinas administrativas e decisórias das instituições públicas”, conta a professora Ana Luisa.
O estudo teve início a partir do caso da própria Univasf, que nomeou sua primeira professora por cotas apenas em 2022. Entre 2014 e 2021, a instituição não contratou docentes negros por meio da reserva de vagas prevista em lei. A investigação revelou que a Univasf não é um caso isolado, trata-se de um problema estrutural presente em diversas instituições federais. “A atuação do Observatório junto a órgãos federais e universidades revelou uma contradição profunda: o mesmo Estado que promulga leis de igualdade racial é aquele que, por meio de sua burocracia e omissões, sabota a execução dessas políticas”, afirma a docente do Ceagro.
De acordo com a análise feita pelos pesquisadores, o racismo institucional se expressa em diferentes níveis: na omissão da reserva de vagas em editais, no fracionamento de cargos para evitar a contratação de pessoas negras, na resistência em divulgar dados sobre concursos, em interpretações restritivas da legislação e na ausência de formação antirracista para gestores e servidores.
A professora Ana Luisa destaca que o livro traz uma contribuição fundamental ao debate sobre igualdade racial e políticas afirmativas, ao demonstrar que o combate ao racismo institucional não se esgota na criação de leis. “Ele exige vigilância permanente, controle social efetivo e responsabilização das instituições públicas”, afirma. Nesse sentido, ela reflete que a recente atualização do marco legal das cotas, estabelecida pela Lei nº 15.142/2025, representa um avanço significativo no aprimoramento das políticas afirmativas no país.

No entanto, a docente alerta que a efetividade da nova legislação dependerá da capacidade das instituições públicas em superar as barreiras que historicamente dificultaram a implementação dessas ações. Entre as medidas apontadas pela pesquisadora para garantir a permanência e a eficácia das políticas de cotas raciais no serviço público estão a garantia do direito à dupla porta de entrada, a possibilidade de concorrer simultaneamente na ampla concorrência e na reserva de vagas, a transparência nos concursos públicos, a diversidade nas bancas examinadoras e a formação antirracista continuada de servidores e gestores.
Para Ana Luisa, o livro se consolida como uma referência para pesquisadores, gestores e movimentos sociais, por oferecer uma leitura indispensável sobre equidade racial, gestão pública e democracia. Ela destaca que a obra foi muito bem recebida pelo público: “A recepção foi extremamente positiva, reconhecendo a importância do livro como um marco no debate sobre as ações afirmativas e sobre a necessidade de enfrentar o racismo institucional dentro do Estado, especialmente nas universidades federais”.
O Observatório Opará segue realizando lançamentos em diferentes regiões do país, levando o livro a eventos acadêmicos e encontros institucionais. “A Mão Invisível do Racismo Institucional e a Sabotagem da Lei de Cotas Raciais (Lei nº 12.990/2014)” está disponível para aquisição durante os eventos promovidos pelo Observatório e na loja virtual do grupo. Mais informações e solicitações de exemplares institucionais podem ser feitas pelo e-mail opara.grupodepesquisa@univasf.edu.br. Todo o valor arrecadado é revertido para o custeio das atividades e pesquisas do Observatório, contribuindo para o fortalecimento de uma agenda de produção de conhecimento crítico e de enfrentamento ao racismo institucional.

